A INVENÇÃO DO PURGATÓRIO
A INVENÇÃO DO PURGATÓRIO
O medo é a força motriz por trás das grandes invenções. Foi o medo do inimigo que levou à invenção da pólvora, o medo do inferno deu asas à criação do purgatório, que diferentemente de outros inventos produzidos por uma pessoa, a do purgatório foi uma invenção coletiva. Houve quem afirmou o “nascimento do purgatório” (LE GOFF, J. La Nascita del Purgatório. Turim, Einaudi, 182 in MASI, Domenico de Masi. Criatividade e Grupos Criativos, SP, Sextante, 2002, pg 194). A sepultura e o culto da esperança de uma vida além-túmulo têm evidências com mais de 90.000 anos. Com o tempo se articulou um monte de teses e histórias sobre a vida no além, onde paraísos e infernos foram aparecendo gradualmente, com profundezas e abismos, cada qual mais complexos e sutis (ASLAN, Reza, no seu livro Deus - Uma história humana. Rio de Janeiro, Zahar, 2018, traz informações interessantes dos desenvolvimentos das ideias religiosas).
Milhares de anos foram necessários para se chegar à confissão para o perdão, a extrema-unção, e às doações feitas em leitos de morte como forma de se ganhar o paraíso. O processo não se deu por passe de mágica, antes o testemunho de inúmeros visionários que relataram suas experiências fantasiosas, contribuiu, gradativamente, para os conceitos de Sheol, as visões apocalípticas de muitos místicos e a culminação na “Divina Comédia” de Dante (1320).
Para uma “invenção” tão árdua e complexa, foi necessária uma longa sedimentação cultural. As visões do além tendiam para um lugar de “estacionamento das almas” na eternidade ou, no máximo, dois: o destinado aos culpados e outro para os justos. Durante a Idade Média, entre os séculos III e VII, a ideia de um lugar intermediário, destinado ao doloroso aperfeiçoamento daqueles que em vida não foram nem bons nem maus, aparece em várias ocasiões. As almas ficariam aguardando o juízo final? Era toda uma escatologia pessoal baseada na teologia do mérito, preponderante nos meios religiosos.
O nascimento do purgatório aparece somente no século XII, deixando de ser um adjetivo para ser substantivo, topograficamente determinado de "estacionamento das almas”. Isto ocorreu no ambiente da escola de religiosos de Notre Dame e no mosteiro de Citeaux. Em pouco tempo o purgatório conquistou o imaginário coletivo e fez sucesso até obter a formulação oficial no Segundo Concílio de Lyon (1274) e celebrar o triunfo no Jubileu de 1300, quando o papa Bonifácio VII concedeu a indulgência plenária aos peregrinos tanto vivos e como mortos.
O purgatório era uma resposta teológica e pastoral para a ansiedade sobre a vida humana pós morte. Com as celebrações de missas pela intenção das almas no purgatório, com a quantidade de devoções de vivos para que seus méritos sejam transferidos para os que no purgatório estão (até papas estão lá e precisam de missas para serem salvos deste “estacionamento”), a prática da extrema-unção, com os desafios aos moribundos a doar para a Igreja e, mais tarde, a aliança com a venda das indulgências, se mostrou um poderoso instrumento de arrecadação para a combalida Igreja, pelos gastos com as desastradas Cruzadas. Entre os anos de 1000 e 1200, mais de 4000 doações foram feitas aos mosteiros de Cluny e Clairvaux.
Modernamente, os pregadores midiáticos reproduzem o esquema com a “teologia da prosperidade”, onde a retribuição divina se dá na proporção da contribuição feita, o crescimento numérico de frequentadores obedece regras matemáticas calculadas pela lei da causa/efeito, onde a instrução e edificação se fazem com jargões e repetição de frases, como mantra cristão. Quanto mais cânticos repetitivos forem entoados e mais frases ocas forem proferidas, mais “espiritual” o culto é.
Marcos Inhauser
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